sábado, 20 de junho de 2009
O Prazer
Então, um ermitão que visitava a cidade uma vez por ano, acercou-se e disse:
"-Profeta de Deus, fala-nos do prazer."
E ele respondeu, dizendo:
"-O prazer é uma canção de liberdade,
Mas não é a liberdade.
É o desabrochar de vossos desejos,
Mas não o seu fruto.
É um abismo olhando o cume,
Mas não é nem o abismo nem o cume.
É o engaiolado ganhando espaço,
Mas não é o espaço que o envolve.
Sim, na verdade, o prazer é uma canção de liberdade.
E de bom grado eu vos ouviria cantá-la de todo o vosso coração;
porém, não gostaria que perdêsseis vosso coração no canto.
Alguns de vossos jovens procuram o prazer como se fosse tudo na vida,
e são condenados e repreendidos.
Eu preferiria nem condená-los, nem repreendê-los, mas deixá-los procurar.
pois encontrarão o prazer, mas não só ele.
Sete são suas irmãs, e a última dentre elas é a mais bela que o prazer.
Não ouvistes falar do homem que cavava a terra à procura de raízes e descobriu um tesouro?
E alguns de vossos anciãos recordam seus prazeres com remorso,
como se fossem erros cometidos num estado de embriaguez.
Mas o remorso é o escurecimento da alma e não o seu castigo.
Deveriam antes recordar seus prazeres com reconhecimento,
como recordariam uma colheita de verão.
Todavia, se acharem conforto no remorso,
deixemo-los se confortarem.
E há entre vós aqueles que não são jovens para procurar,
nem velhos para recordar;
E no seu temor de procurar e recordar, desprezam todos
os prazeres por medo de afugentar ou ofender o espírito.
Porém, na sua renúncia está o seu prazer.
E, assim, eles também descobrem um tesouro embora
cavem com mãos trêmulas à procura de raízes.
Mas, dizei-me, quem pode ofender o espírito?
Ofende o rouxinol a quietude da noite ou o pirilampo as estrelas?
E poderá vossa flama ou vossa fumaça sobrecarregar o vento?
Credes que o espírito é um poço tranquilo que podeis perturbar com um bastão?
Muitas vezes, ao negardes a vós mesmos um prazer, nada mais fazeis do que
represar vosso desejo nos recessos de vosso Eu.
E quem sabe se o que parece omitido hoje não espera pelo amanhã?
Mesmo vosso corpo conhece sua herança e seus direitos, e vós não o podeis iludir.
E vosso corpo é a harpa de vossa alma:
A vós pertence tirar dele música melodiosa ou ruídos dissonantes.
E agora perguntais em vosso coração:
"Como distinguiremos o que é bom no prazer do que é mau?"
Ide, pois, aos vossos campos e pomares e, lá, aprendereis
que o prazer da abelha é sugar o mel da flor,
Mas que o prazer da flor é entregar o mel à abelha.
Pois, para a abelha, uma flor é uma fonte de vida.
E para a flor, uma abelha é uma mensageira de amor.
E para ambas, a abelha e a flor, dar e receber o prazer é
uma necessidade e um êxtase.
Povo de Orphalese, nos vossos prazeres, imitai as flores e as abelhas."
O PROFETA - Gibran Khalil Gibran - Tradução de Mansour Challita
Minha mais profunda admiração e gratidão à Mansour Challita.
Que a Luz de Deus esteja eternamente com ele.